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Sid Vicious |
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A escola não é tão legal vista por dentro. Estudar muitas matérias que não te interessam nem um pouco. Essa pressão para passar no vestibular. Pessoas tentando ser alguém aceitável e fazer parte de um grupo. Eu ainda acabo cedendo na hora do intervalo e vou com as garotas ficar sentada nos banquinhos perto do pátio. Apesar de eu achar que a biblioteca seria bem mais interessante. Não é que eu seja antissocial é só que eu não gosto de desperdiçar tempo em conversinhas sem futuro. E eu gosto das minhas colegas. Mas também preciso de espaço. Ás vezes parece que o espaço nunca é suficiente. Ou deve ser porque a gente quer estar em outro lugar. Essa aula de história até que foi boa. Atenas era o lugar. Olho no relógio. Faltam 3 minutos para o break. Tempo de macarrão instantâneo. Eu já terminei os exercícios. Doce tic tac.
_ “Psiu”_ Escuto. Olho para trás e vejo o Cadú levantando as sobrancelhas na minha direção.
Entendo, pisco de volta e mando o dinheiro para ele. Bom, não vou ter que enfrentar fila na cantina. Quando o sinal toca, acompanho as meninas descendo as escadas. Levo o Retrato de Dorian Gray para ler. Sento perto delas. Acho que entenderam que eu não estou a fim de bater papo hoje. Sento no banco com os joelhos dobrados ignorando as minhas coxas doloridas por causa da aula de dança de ontem. Essa é uma das boas dores da vida. Abro o livro na página marcada. O som de Florence And The Machine embala minha bolha de ar simbólica.
Hoje o dia está fresco. O sol refletindo entre as frestas das árvores, deixando tudo meio iluminado. Amarelo é energia alegre. Amarelo é luxo. Não posso negar que os tons estão contagiantes. Percorro o lugar com os olhos. No fundo do pátio vejo uns garotos com uns instrumentos, parecendo uma banda mal formada. Espero que valha a pena aposentar os fones pelos próximos minutos.
Levanto os olhos para reconhecer quem são eles. O cara com a guitarra é o Yuri Amorim. Eca. Criaturinha mais nojenta. É a grosseria em pessoa. Certeza de que toma bomba. Procuro pelo baixista. Geralmente eles são os meus preferidos. Acho que deve ser culpa do Sid Vicious. E ainda tem gente que diz que os baixistas não aparecem. E o que dizer do Sid Vicious? Oi? Porque é o primeiro que me vem à mente quando o assunto é movimento punk. Se bem que nem era ele que tocava na maioria das vezes. Quem se importa? Ele foi uma lenda. Eu adoro Sex Pistols.
O do baixo está usando óculos escuros. Depois percebo que é o Daniel. Foi da minha turma no oitavo ou no nono ano, não lembro bem. Acho que gostava de Harry Potter. Ou talvez minha mente esteja sendo irônica. Nunca fui com a cara do Daniel Radcliffe. Mas o que lembro mesmo desse outro Daniel é que tirava boas notas e parecia legal na época. Não sei agora. Nunca fomos amigos. Parece que ainda está aprendendo a tocar. Não consigo ver quem é o baterista. Eles ainda não tocaram nenhuma música inteira. Tem mais uns meninos lá, mas não estão fazendo nada. Na verdade só ele brincando com o baixo. É, realmente eles não são uma banda. Minhas colegas nem parecem perceber o que está acontecendo. O Daniel começa a fazer barulho cantando versos do Raul Seixas e eu me controlo para não rir. “ Eu sou a mosca que pousou na sua sooopa”. Aí as meninas finalmente olham pra lá.
_ “Ai como esse Daniel é retardado!” _ a Larissa fala.
_ “Ah qual é? Ficou bacaninha a versão.” _ eu brinco.
Ela revira os olhos e a Fernanda vomita:
_ “Esquisito.”
Dou de ombros. Eu gostei. Eles começam a tocar de verdade. Agora com mais uma guitarra e o Marcelo no vocal. O Cadú chega com o meu lanche.
_ “Hey you, meu chuchu. Não sei como você consegue tomar essa coisa.”
- “Hey guy. Acredite meu chá é bem melhor que o seu refri câncer. Valeu, senta aí.” _ eu falo_ “Você é amigo deles né?” _ Faço um sinal apontando para os garotos.
_ “Aham. To indo pra lá. Vamos?”
Lembro que ainda tenho que passar na secretaria para buscar meu boletim antes que comece a próxima aula.
_ “Não dá. Deixa pra próxima.”
Pisco e saio em direção à secretaria.
Chego atrasada na aula. Nem tem importância. O pessoal da comissão de formatura está organizando e recolhendo o dinheiro para um churrasco. Último ano, por favor, acabe logo! Não vejo a hora de ir embora desse lugar. Universidade rima com liberdade. O que me dá crises do tipo você-deveria-estar-estudando-mais! Depois de uns dois suspiros a crise passa. Comodismo = inércia. Tenho que parar de procrastinar. Sento no meu lugar. Viro de lado e peço para o Cadú a pasta com os desenhos dele para analisar. A cada dia ele desenha melhor.
_ “Ei, já me cansei dessa euforia com a formatura.” _ ele diz.
Ele ri e fala:
_ “O Daniel disse que só vai se tocarem MPB lá.”
_ “Nesse caso eu também iria.” _ digo enquanto folheio os desenhos.
MPB. Hum. Simpático esse Daniel. Mas por que o Cadú está me falando dele? Lembro no ano passado, uma vez depois da aula de inglês no curso. Eu estava conversando com a Natália. Na época ela ainda estava estudando na mesma escola que eu, só que já no último ano. E eu era apaixonada pelo Nicholas. Quando eu lembro sinto até vergonha. Ele era o meu melhor amigo. E eu sabia de vários rolinhos dele da faculdade. Morria de ciúmes por dentro e não dizia nada. Afinal, eu era “irmãzinha” dele. (Inserir virada de olhos aqui). Até que um dia ele percebeu isso e começou a brincar comigo.
_ “Ele é seu namorado?” _ a Natália tinha me perguntado.
_ “Não! Ele é meu melhor amigo.” _ Respondi.
_ “Ah, fala sério Valquíria! Vocês sempre saem juntos. Ele te busca em todo canto. Seu celular não para de tocar. E adivinha quem é na linha? Você fica toda boba falando dele.”
_ “Natália!”
Ela me olhou super cínica. Admiti:
_ “Talvez eu tenha uma quedinha por ele.”
_ “Quedinha? Isso está mais para um tombo feio.”
_ “Você é muito má!”
_ “Olha Val, por que dessa vez só para variar você não tenta gostar de alguém da sua idade, hein?”
Eu nem respondi nada. A minha mente só sintonizava a frequência Nicholas. E pensar que quando eu o esqueci ele veio atrás de mim. Tolinho. Não brinque com ninguém um dia você será o brinquedo. "Você não soube me amar". A Natália continuou:
_ “Sabe, ontem eu estava reparando no Daniel. Ele não é da sua turma, mas parece ser um cara legal. Diferente dos outros meninos. Acho que vocês combinariam juntos. Confessa que você adora caras intelectuais!”
_ “Ai para com isso Nati. Eu não quero ninguém tá. Sua boba.”
Estranho eu não ter esquecido isso. Escrevo no meu caderno: “Caiu uma mosca na minha sopa. E agora José? O que fazer com ela?” Ai que besteira. Nada a ver. Entre as folhas encontro um bilhete dizendo: “ Eu te amo irmã mais linda do universo. Salvou minha vida. (De novo.) Beijo. Bia” Ai que lindo! Nessas horas até me esqueço do tanto que a Bia pode ser chata.
Mas ontem foi épico. Eu estava no meu quarto terminando de montar a paleta de cores para montar um novo scrapbook. Super feliz porque tinha conseguido impedir que minha calça velha de ioga fosse para o lixo. Minha mãe parece que não tem noção do tempo que levou para ela ficar assim toda manchada de quando eu tiro o excesso de esmalte ao redor das unhas com a espátula e passo no tecido. Ela é muito confortável. Não é preciso nem usar calcinha. Aí a Bia entrou chorando desesperada. Fiquei preocupada. Imaginei mil e uma coisas que poderiam ter acontecido. Mas não estava entendendo porque ela estava usando uma touca no cabelo. Entre soluços ela tentou explicar, de um jeito bem Bia é claro:
_ “ Eu arruinei a minha vida. Eu só queria realçar meu estilo!”
_ “Não me diga que você”_ apontei para a touca.
_ “Ficou horrível!” _ ela choramingou soltando o cabelo. O lindo cabelo comprido se foi. Estava todo torto. E a franja no meio da testa. Se ela não estivesse com aquela carinha de filhotinho sem dono eu teria disparado a rir.
_ “Eu joguei todo o cabelo para frente e cortei. Depois abaixei a franja e mandei a tesoura. Só que quando levantei a cabeça ela subiu também. Eu nunca mais vou sair de casa.”
_ “Ah, o que é isso Bia. Você só tem 12 anos. Não é possível que até os 18 essa sua franja não tenha crescido!”
Ela disparou um “Não é engraçado!” e saiu correndo. Eu sabia que agora ela não ia me deixar entrar no quarto dela. Aí liguei para o melhor cabeleireiro do mundo (tá, ele pode não ser o melhor, mas é o mais simpático, fofo e querido, ou seja, é o melhor!). Levei a Bianca para o salão e ele arrasou. O cabelo dela ficou demais. Muito mais bonito do que quando comprido. Realçou o rosto dela. Agora a Bia me deve uma. Uma das grandes.
(Continua ou não...)
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