22 novembro, 2011

Don't take a picture!


"It’s been a bad day. Please don’t take a picture."


  A frequência da aleatoriedade dos meus dias segue uma escala. Aos dias muito bons seguem-se outros muito ruins. Dias mornos se mantém na mesma. Dias agridoces se alternam com pimentas e canela. Sempre durante o dia verde do capim-limão a previsão é coca-cola negra na próxima manhã (ou noite). Não é preciso analisar estrelas para isso. É o ciclo natural da carruagem do equilíbrio. Sorte no amor, azar na vida escolar (ou seria jogo?). É como o bem estar depois da crise de choro. O cheiro enjoado dos consultórios do dentista antes da sensação de dentes limpíssimos. O desapego que vem depois do assassinato da saudade.

   Dias e pessoas são como os túmulos. Alguns são belamente esculpidos por fora mas por dentro o conteúdo é o mesmo. Cada um caminhando para um estágio de decomposição. Todos em direção ao fim. Ah, a armadilha da intensidade! – essa que nos faz sentir vivos. A corda bamba para atravessar entre o chão de uma sensação a outra sob o abismo do excesso. Um passo em falso e se ultrapassa o limite. Game over. E lá estamos nós de novo juntos na mesma sala dividindo o ar-condicionado. Eterna mania de se embrulhar e se embaraçar. Em um gesto de amizade as bochechas tocam os lábios. Os mindinhos se apegam em favor do perdão e das promessas. O tic tac dos sapatos unidos no compasso dos ponteiros das horas. Novas pegadas no velho chão.

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10 setembro, 2011

(Ím)Par

  Henrique sentia a cabeça dar voltas. Girando sem parar. A visão turva. Nenhuma imagem definida. Sentou-se no meio-fio. Colocou a cabeça entre os joelhos. Fechou os olhos. Respirou fundo. Imaginou uma bolha branca. A bolha que o envolvia, separando-o do mundo ao seu redor. Bolha confortável. Nela havia liberdade para pensar.

  Em um momento a ordem imperava. De repente o que era fixo já não era mais. O sol brilhava de forma diferente. Ele teria que se adaptar. Mas antes precisava adquirir a noção dessa necessidade. O que o chateava era começar de novo antes mesmo de estabelecer um fim. Foi um fim forçado. Ele não reagia bem a surpresas. Gostava de planos e rotinas. O momento de decisão era aflitivo. Ainda mais quando parte da decisão estava fora da sua vontade. Aceitar o disponível.
 
  Ergueu a cabeça. A lua estava cheia. Entendeu que não somente o mundo da lua era inconstante, mas a realidade também. Solidão. Ele queria segurar mãos que o compreendessem. A dor era imensurável. Queria pelo menos ter se despedido. Ter direito a um último beijo. Lara estivera chateada com ele. Henrique sentiu uma pontada no íntimo. Ele nunca mais teria uma chance de se desculpar. “Um acidente "_ foi a explicação dada. Deduziu que Shakespeare teria assassinado aquele maldito motorista sem ponderar. Sangue por sangue.

  Depois desse fim iminente, pensou que o melhor talvez fosse olhar somente para o passado. Se perder nas memorias. Pensou que Darwin não saberia como ele ainda estava vivo se não era forte o suficiente para adaptar-se.  Sentiu raiva das teorias. Aleatoriedade ou destino não o satisfaziam. Ele procurava a estabilidade. Mas o que parecia estável para o senso comum, lhe era monótono e deprimente. Mera ilusão. Ele não queria viver a vida que enxergava por aí. Procuraria o senhor do tempo. Seria um vagabundo como Sócrates. Vivendo de discursos e botecos. Ou poderia viver em torno da arte da dor. Lara o havia ensinado que ele tinha um coração. Nada mais digno do que mantê-la viva ali.


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02 setembro, 2011

Duas damas nuas

 
  O corredor era frio. Não é que a temperatura estivesse baixa. O tempo estava bom. Mas o tempo do relógio demorava a passar. Ao contrário das pessoas. As que passavam por ali andavam rápido. Depressa, atrasadas como o coelho. Perguntou a si mesma se um dia seria costume geral andar devagar e conversar com estranhos. A ideia de falar com estranhos há muito havia deixado de ser assustadora para a menina. Talvez porque agora a estranha fosse ela mesma. Os outros é que poderiam se assustar ao notar a sua presença, ou pior, o seu atrevimento em puxar uma conversa.

  Sentiu saudades da infância. De quando era rainha. A soberana de um mundo de gigantes. Onde os maiores cuidavam dela.
 
  _ “Quer mais um pedaço do bolo, minha pequena?”_ Dizia a avó.
  _ “Eu quero a saia cor-de-rosa!” _ ordenava para o pai.
  
  Agora os tijolos não pareciam mais protetores. Nem por isso eram como obstáculos. Pois ela estava simplesmente solta. Talvez as paredes não fossem reais. Poderiam ser espelhos. Os espelhos que refletiam o coração do homem civilizado. As barreiras de tijolos eram construídas nos corações para que não fossem influenciados por emoções. Afinal, paredes de tijolos não são destruídas pelo sopro do lobo. A ideia de substituir os tijolos por palha parecia-lhe animalesca. A palha a fazia pensar em pasto. Os homens cederiam as emoções assim como o touro é escravizado pelo instinto. E essa atitude não lhe é suficiente para escapar do abate.

    A próxima tentativa seria a madeira. A madeira é marrom. O marrom é quente. Cor de pé no chão. Se as paredes de seu coração fossem de madeira ela poderia ouvir as batidas de visitantes. Abriria a porta. Enquanto a conversa fluísse confortavelmente beberiam chá. A milagrosa bebida universal dos ricos e dos pobres. A madeira também poderia cair com o vento. Disso ela sabia. Não era uma porquinha tão burra.
Os tijolos eram mais seguros. Então ela percebeu que eles já estavam sendo posicionados em seu coração. Sentiu medo. Como seriam os sentimentos com o coração de tijolos? Queria chorar. Mas as lágrimas não chegavam. Os primeiros tijolos já impediam que as gotas de orvalho passassem e vazassem pelos olhos.
 
  O plano era encontrar uma força maior que a do vento. Algo capaz de derrubar os tijolos. Ela precisava de alternativas. Deixou para pensar nisso depois. Ainda estava ali sentada no corredor. Fechou os olhos para ouvir melhor os passos. Passos plastificados, passos elásticos, passos metálicos, passos macios, passos brutos. De repente som de passos rolantes. Abriu os olhos. Eram pés sobre o skate. Passaram mais rápido que os outros pés. Presos a um corpo e rosto que transmitiam um misto de intensidade e distância. Velocidade. O movimento era capaz de balançar as paredes dos corações. Deduziu que esse era o motivo das pessoas andarem ali. Cada uma buscava o seu próprio movimento. Sentiu alívio. Era um sinal de que seu coração ainda pularia. Seria diferente.
 
  _ “ Para mim exótico é uma outra forma de chamar algo de esquisito. O diferente é torto, feio.” _ disse-lhe certa vez um colega.
  Algo ao qual a menina comentou:
  _ “ Não cabe a mim julgar. Penso que o diferente não é inferior nem superior, apenas diferente.”
   
  As luzes ainda estavam acesas. O corredor tinha iluminação artificial. O sol machucava os seus olhos. Ela preferia o subterrâneo. A caverna era seu esconderijo. Porque sabia que sua luz própria não tinha chances contra a luz lá de fora. Luz ela tinha o suficiente para si. Precisava buscar equilíbrio na sombra.
 
  Alguém sentou ao seu lado. Discretamente ela o observou. Pensou que as roupas dele eram exageradas. O que era estilo para uns, para ela era identidade postiça, forçada. Na concepção de sua mente de fim da adolescência, fantasias foram deixadas no passado. Cabelos coloridos agora lhe pareciam falta de personalidade, um modo infantil de chamar a atenção. Obviamente ele queria ser diferente. O imaginou sem roupas. Não de um modo pervertido. Mas de uma forma neutra. Livre de simbolismos estéticos. Sem modismos ou ícones fantasmas de outros tempos gritando pelas vestes dele. Sem máscaras. Não queria saber das suas bandas, nem dos seus jogos, times, ídolos, calçados ou perfumes. Aquela sujeira toda embaçava a verdade. Desejou estar na Grécia. Sentir o cheiro do mar e a umidade à luz do luar. Nua e descalça. Limpa. A neutralidade da nudez unida à sinceridade do coração_ as duas senhoras casadas em um final feliz para sempre.                                                                                                     

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15 junho, 2011

The beginning

Sid Vicious


  A escola não é tão legal vista por dentro. Estudar muitas matérias que não te interessam nem um pouco. Essa pressão para passar no vestibular. Pessoas tentando ser alguém aceitável e fazer parte de um grupo. Eu ainda acabo cedendo na hora do intervalo e vou com as garotas ficar sentada nos banquinhos perto do pátio. Apesar de eu achar que a biblioteca seria bem mais interessante. Não é que eu seja antissocial é só que eu não gosto de desperdiçar tempo em conversinhas sem futuro. E eu gosto das minhas colegas. Mas também preciso de espaço. Ás vezes parece que o espaço nunca é suficiente. Ou deve ser porque a gente quer estar em outro lugar. Essa aula de história até que foi boa. Atenas era o lugar. Olho no relógio. Faltam 3 minutos para o break. Tempo de macarrão instantâneo. Eu já terminei os exercícios. Doce tic tac.
_ “Psiu”_ Escuto. Olho para trás e vejo o Cadú levantando as sobrancelhas na minha direção.
  Entendo, pisco de volta e mando o dinheiro para ele. Bom, não vou ter que enfrentar fila na cantina. Quando o sinal toca, acompanho as meninas descendo as escadas. Levo o Retrato de Dorian Gray para ler. Sento perto delas. Acho que entenderam que eu não estou a fim de bater papo hoje. Sento no banco com os joelhos dobrados ignorando as minhas coxas doloridas por causa da aula de dança de ontem. Essa é uma das boas dores da vida. Abro o livro na página marcada. O som de Florence And The Machine embala minha bolha de ar simbólica.
   Hoje o dia está fresco. O sol refletindo entre as frestas das árvores, deixando tudo meio iluminado. Amarelo é energia alegre. Amarelo é luxo. Não posso negar que os tons estão contagiantes. Percorro o lugar com os olhos. No fundo do pátio vejo uns garotos com uns instrumentos, parecendo uma banda mal formada. Espero que valha a pena aposentar os fones pelos próximos minutos.
  Levanto os olhos para reconhecer quem são eles. O cara com a guitarra é o Yuri Amorim. Eca. Criaturinha mais nojenta. É a grosseria em pessoa. Certeza de que toma bomba. Procuro pelo baixista. Geralmente eles são os meus preferidos. Acho que deve ser culpa do Sid Vicious. E ainda tem gente que diz que os baixistas não aparecem. E o que dizer do Sid Vicious? Oi? Porque é o primeiro que me vem à mente quando o assunto é movimento punk. Se bem que nem era ele que tocava na maioria das vezes. Quem se importa? Ele foi uma lenda. Eu adoro Sex Pistols.
   O do baixo está usando óculos escuros. Depois percebo que é o Daniel. Foi da minha turma no oitavo ou no nono ano, não lembro bem. Acho que gostava de Harry Potter. Ou talvez minha mente esteja sendo irônica. Nunca fui com a cara do Daniel Radcliffe. Mas o que lembro mesmo desse outro Daniel é que tirava boas notas e parecia legal na época. Não sei agora. Nunca fomos amigos. Parece que ainda está aprendendo a tocar. Não consigo ver quem é o baterista. Eles ainda não tocaram nenhuma música inteira. Tem mais uns meninos lá, mas não estão fazendo nada. Na verdade só ele brincando com o baixo. É, realmente eles não são uma banda. Minhas colegas nem parecem perceber o que está acontecendo. O Daniel começa a fazer barulho cantando versos do Raul Seixas e eu me controlo para não rir. “ Eu sou a mosca que pousou na sua sooopa”. Aí as meninas finalmente olham pra lá.
_ “Ai como esse Daniel é retardado!” _ a Larissa fala.
_ “Ah qual é? Ficou bacaninha a versão.” _ eu brinco.
  Ela revira os olhos e a Fernanda vomita:
_ “Esquisito.”
  Dou de ombros. Eu gostei. Eles começam a tocar de verdade. Agora com mais uma guitarra e o Marcelo no vocal. O Cadú chega com o meu lanche.
_ “Hey you, meu chuchu. Não sei como você consegue tomar essa coisa.”
- “Hey guy. Acredite meu chá é bem melhor que o seu refri câncer. Valeu, senta aí.” _ eu falo_ “Você é amigo deles né?” _ Faço um sinal apontando para os garotos.
_ “Aham. To indo pra lá. Vamos?”
  Lembro que ainda tenho que passar na secretaria para buscar meu boletim antes que comece a próxima aula.
_ “Não dá. Deixa pra próxima.”
 Pisco e saio em direção à secretaria.
  Chego atrasada na aula. Nem tem importância. O pessoal da comissão de formatura está organizando e recolhendo o dinheiro para um churrasco. Último ano, por favor, acabe logo! Não vejo a hora de ir embora desse lugar. Universidade rima com liberdade. O que me dá crises do tipo você-deveria-estar-estudando-mais! Depois de uns dois suspiros a crise passa. Comodismo = inércia. Tenho que parar de procrastinar. Sento no meu lugar. Viro de lado e peço para o Cadú a pasta com os desenhos dele para analisar. A cada dia ele desenha melhor.
_ “Ei, já me cansei dessa euforia com a formatura.” _ ele diz.
_ “Eu também. Nem estou a fim de ir nesse churrasco. Eu queria estar agora na era disco” _ Começo a cantarolar baixinho enquanto balanço os ombros _ " Keep it comin' love, keep it comin' love Don't stop it now, don't stop it, no no "  Eu adoraria se a minha vida fosse um musical.
Ele ri e fala:
_ “O Daniel disse que só vai se tocarem MPB lá.”
_ “Nesse caso eu também iria.” _ digo enquanto folheio os desenhos.
MPB. Hum. Simpático esse Daniel. Mas por que o Cadú está me falando dele? Lembro no ano passado, uma vez depois da aula de inglês no curso. Eu estava conversando com a Natália. Na época ela ainda estava estudando na mesma escola que eu, só que já no último ano. E eu era apaixonada pelo Nicholas. Quando eu lembro sinto até vergonha. Ele era o meu melhor amigo. E eu sabia de vários rolinhos dele da faculdade. Morria de ciúmes por dentro e não dizia nada. Afinal, eu era “irmãzinha” dele. (Inserir virada de olhos aqui). Até que um dia ele percebeu isso e começou a brincar comigo.
_ “Ele é seu namorado?” _ a Natália tinha me perguntado.
_ “Não! Ele é meu melhor amigo.” _ Respondi.
_ “Ah, fala sério Valquíria! Vocês sempre saem juntos. Ele te busca em todo canto. Seu celular não para de tocar. E adivinha quem é na linha? Você fica toda boba falando dele.”
_ “Natália!”
Ela me olhou super cínica. Admiti:
_ “Talvez eu tenha uma quedinha por ele.”
_ “Quedinha? Isso está mais para um tombo feio.”
_ “Você é muito má!”
_ “Olha Val, por que dessa vez só para variar você não tenta gostar de alguém da sua idade, hein?”
Eu nem respondi nada. A minha mente só sintonizava a frequência Nicholas. E pensar que quando eu o esqueci ele veio atrás de mim. Tolinho. Não brinque com ninguém um dia você será o brinquedo. "Você não soube me amar". A Natália continuou:
_ “Sabe, ontem eu estava reparando no Daniel. Ele não é da sua turma, mas parece ser um cara legal. Diferente dos outros meninos. Acho que vocês combinariam juntos. Confessa que você adora caras intelectuais!”
_ “Ai para com isso Nati. Eu não quero ninguém tá. Sua boba.”
Estranho eu não ter esquecido isso. Escrevo no meu caderno: “Caiu uma mosca na minha sopa. E agora José? O que fazer com ela?” Ai que besteira. Nada a ver. Entre as folhas encontro um bilhete dizendo: “ Eu te amo irmã mais linda do universo. Salvou minha vida. (De novo.) Beijo. Bia” Ai que lindo! Nessas horas até me esqueço do tanto que a Bia pode ser chata.
  Mas ontem foi épico. Eu estava no meu quarto terminando de montar a paleta de cores para montar um novo scrapbook. Super feliz porque tinha conseguido impedir que minha calça velha de ioga fosse para o lixo. Minha mãe parece que não tem noção do tempo que levou para ela ficar assim toda manchada de quando eu tiro o excesso de esmalte ao redor das unhas com a espátula e passo no tecido. Ela é muito confortável. Não é preciso nem usar calcinha. Aí a Bia entrou chorando desesperada. Fiquei preocupada. Imaginei mil e uma coisas que poderiam ter acontecido. Mas não estava entendendo porque ela estava usando uma touca no cabelo. Entre soluços ela tentou explicar, de um jeito bem Bia é claro:
_ “ Eu arruinei a minha vida. Eu só queria realçar meu estilo!”
_ “Não me diga que você”_ apontei para a touca.
_ “Ficou horrível!” _ ela choramingou soltando o cabelo. O lindo cabelo comprido se foi. Estava todo torto. E a franja no meio da testa. Se ela não estivesse com aquela carinha de filhotinho sem dono eu teria disparado a rir.
_ “Eu joguei todo o cabelo para frente e cortei. Depois abaixei a franja e mandei a tesoura. Só que quando levantei a cabeça ela subiu também. Eu nunca mais vou sair de casa.”
_ “Ah, o que é isso Bia. Você só tem 12 anos. Não é possível que até os 18 essa sua franja não tenha crescido!”
Ela disparou um “Não é engraçado!” e saiu correndo. Eu sabia que agora ela não ia me deixar entrar no quarto dela. Aí liguei para o melhor cabeleireiro do mundo (tá, ele pode não ser o melhor, mas é o mais simpático, fofo e querido, ou seja, é o melhor!). Levei a Bianca para o salão e ele arrasou. O cabelo dela ficou demais. Muito mais bonito do que quando comprido. Realçou o rosto dela. Agora a Bia me deve uma. Uma das grandes.

(Continua ou não...)

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